Saturday, September 23, 2006

SHOSTAKOVICH


Também em Portugal começou a Saison.
Nos clássicos da EMI podemos encontrar , nos great recordings of the century, a gravação da única ópera que o compositor escreveu, humilhado como foi pela imprensa stalinista do seu tempo que no Pravda lhe deu a ler, em 1936, a seguinte apreciação: " é lama, não é música ". O Ditador não tinha gostado de tanto grito, menos ainda do naturalismo agressivo, cortante, mais expressionista que qualquer expressionista.
Mas o maior incómodo vinha do facto de no "estrangeiro" a ópera ter conhecido tanto sucesso como na Rússia desde 1934, data da produção, a 1936.
Memórias do passado...lição para os artistas, então como hoje.Foi preciso morrer o ditador para o génio da obra voltar a ser reconhecido e apreciado. Na gravação, que ouço enquanto escrevo, a direcção é de Rostropovitch, que foi amigo íntimo do compositor.
O libretto é escrito a partir da novela de Nikolai Leskov (1831-1895) LADY MACBETH DO DISTRITO DE MZENSK, publicada em 1865. O autor traça um quadro impiedoso e brutal da classe média do seu país, na repressão do povo e dos pobres. A heroína trágica será a vingadora, pela sua mão serão castigados os caricaturais representantes da opressão.
Leskov acentua na sua heroína a violência necessária.
Mas Shostakovich trata Katarina como vítima da podridão de uma sociedade que precisava de ser salva de si mesma. Faz da sua heroína uma verdeira figura trágica, que terá seus pecados, mas não resultantes de malformaçao moral e sim da imoralidade do meio que a rodeava.
O compositor descrevia a sua ópera como sátira trágica. Sendo tragédia a vida e morte da Catarina; recordo Wozzeck (de Buechner-Berg) aqui a tragédia reside também na vida e morte de um soldado demasiado ingénuo (puro) para poder viver numa sociedade sem escrúpulos.

Encontro no final de ambas as óperas um momento especialmente intenso, em que o escuro das águas de um lago figura a escuridão da alma possuída de uma violencia que será sem retorno, pois se vira contra si própria. Catarina matará uma última vez, empurrando a companheira de prisão que a traíra com o seu amante (entretanto marido) para o lago escuro onde de seguida se matará também.
Deixo uma versão da ária,feita a partir da tradução. Lamento não saber russo, todo o ritmo do canto se prende com o ritmo belíssimo desta língua que tal como a alemã exige vozes especiais.

cena 27

Há um lago perdido no bosque
quase redondo e de águas profundas,
de água negra
como a minha consciência,negra.
Quando o vento sopra no bosque
erguem-se ondas no lago,
gigantescas de temer.
No Outono há sempre ondas no lago.
Água negra, ondas gigantes.
Negras ondas gigantescas.

4 comments:

Anonyma said...

Não conheço.
Vou descobrir.
(Importa dizer que gosto do teu blog, não creio que o tenha dito antes. Mesmo quando não participo, assisto e aprendo. Bem hajas.)

Yvette Centeno said...

Querida Anonyma,
É altura de aproveitar os programas do CCB. No dia 1 de Outubro serão ouvidas peças de influencia jazzística,com a Metropolitana e a Orquestra do Hot, dirigidas por Pedro Moreira.
Além de Shostakovich,"amazing", como diriam os americanos, será tocado Stravinsky,outro fundador do modernismo musical.
Talvez um dia o S.Carlos apresente a ópera...Este ano será Wagner, e em breve falarei da Valquíria vista pelos olhos de Patrice Chéreau.
Boa música !

Anonyma said...

Seria demais saber o que dirias sobre as Bodas de Fígaro no Teatro da Trindade?

Yvette Centeno said...

Não pude ir ver, estive fechada a trabalhar.
Espero em Novembro ter a vida em melhor ordem !