Monday, August 09, 2021

Rita Ferro, o Diário III (para acabar)

 Faltava-me comentar uma página do Diário em que Rita Ferro, depois da dolorosa descrição dos sofrimentos do Bernardo, ex-marido que lhe aparece a fazer uma surpresa, há uns momentos de conversa à beira da estrada e pouco mais - uma página, estava eu a dizer, em que se refere ao tema fracturante da moda, como todos os que a geringonça vai lançando: o da eutanásia, que não é de agora, mas divide os portugueses. Legalizar? Não mexer, pode fazer perder (ou ganhar ) eleições? Tomar posição, quando se é, como Rita Ferro, figura pública? A sua palavra terá peso, será influente...

Rita começa por dizer que não tomará partido em público. Mas na verdade acaba por dizer que aprova. As razões são como tantas outras possíveis, não querer vir a pesar na vida dos filhos, que antevê complicada, e sem condições para se ocuparem dela se adoecer com problemas gravosos.

Eu confesso que acho a decisão, não discutida como deve ser, relembrando o Prof. Daniel Serrão numa das sessões do antigo Plano de Edições da Gulbenkian, onde fomos colegas, com outros ilustres, o Prof. Jacinto Nunes, a Prof. Maria Helena da Rocha Pereira entre eles,  não pode colocar-se sem levantar um problema de Ética profissional. Envolve um corpo médico, assistência de enfermagem e outra que se torne necessária, e não pode uma lei que será se calhar tão mal escrita como tantas que já temos, impôr a essa classe profissional que esqueça, no caso dos médicos, o seu juramento, o de Hipócrates, que ainda hoje é exigido para finalizar o diploma.

Assistir e salvar, e não abandonar ou matar. A vontade de um doente (ou quem sabe da sua família mais do que dele) não pode ser imposta a terceiros, que podem ter e terão se calhar, objecção de consciência. Não é fácil, e Rita sabe, quando hesita em falar publicamente, que não é.

Aliás, pensemos no caso do Bernardo, o seu ex-marido, que parece ainda amar quando se refere a ele. Ele aguarda, ele luta, ele crê na ciência, e em algum momento quem sabe, na salvação e na cura.

O que devíamos exigir da Governação que quer ser mais moderna do que a Holanda, por exemplo, onde se fazem eutanasiar crianças de doze anos (foi um caso muito falado na altura) a pedido dos pais, é que dê condições aos Serviços de Saúde e à Assistência Social, para que as vidas se possam desvanecer com dignidade e respeito, eliminando, sim, a dôr desnecessária ( é possível, há maneiras de o fazer). 

Um país onde já não nascem crianças, e onde se discute como matar os velhos, já não é um país, é um terreno baldio onde ninguém quererá plantar nada. Eu não tenho dedo verde, mas confio no futuro verde da ciência, e no que de bom ainda pode trazer.

E Rita Ferro, nas páginas em que já vai caminhando para o fim do Diário, depois de alguns episódios dolorosos, como o do sobrinho João, em férias na Indonésia que sofre um acidente de moto e em vez do auxílio de um bom samaritano é espancado quase até à morte e deixado no chão a sangrar até que alguém dá por ele e o leva ao hospital, contacta a família e ele chega, para o que devia ser um Natal Feliz, todo partido e a ter de sofrer vária intervenções deixando a família de rastos (p.234). 

Adiante, Rita retoma um tom de esperança. O campo fez-lhe bem, ao descobrir que o silêncio ajuda renovar a sua energia criadora e eu fico por aqui com duas reflexões que o seu Diário me deixou: o caso do Bernardo, leva-me para a dôr do mundo. O caso do João leva-me para a violência do mundo.

Muito mais haverá a dizer...esperamos pelo que venha a seguir.




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