Este livro já estava a olhar para mim há algum tempo. Labirinto como chancela era uma alusão tão tentadora...E fui lendo e pelo caminho fui encontrando um fundo mítico familiar, dos grandes arquétipos universais, com o do Minotauro, relido pelo poeta, e lembrei como na mão dos poetas tudo se transforma e adquire novos sentidos. Primeiro li, procurando o tal fio perdido de uma Ariadne escondida. Mas não tenha tempo, vá ao índice, e leia sem perder tempo, Aviso das Parcas, Os Jardins do Inferno ( que é como quem diz do Hades ) Ophiussa ( a serpente terreal), Enquanto esperava o barqueiro (sim é Caronte aquele que nos faz atravessar o rio a troco de três moedas...), Eurídice para Orfeu, o que me traz à memória o belo poema de Rilke, Esfinges, Alquimia, Sereia, e outros, que já não remetem para a antiguidade clássica, mas para mitos celtas ou pagãos que reencontramos em autores populares ou universais como num Shakespeare, caso de Dragão, Druida, A fala das bruxas, Touro, ou ainda um olhar que do céu nos traz estrelas, como Aldebarán.
Há muito por onde escolher, muito para ler, no sossego que uma leitura atenta sempre pede. Reparei que é um jovem, nascido em 1990, quem escreve. E que tem obra premiada, em muito do que já publicou. Mas o que me interessa devo dizer, ao lê-lo, é verificar que ele é um poeta com muita leitura feita e assimilada, - daí que possa transformar com a sua voz o que foi lendo:
A FALA DAS BRUXAS
Saber das raízes
foi saber do Lar.
Saber das sementes
foi saber da ascensão.
Saber das nascentes
foi saber do desejo.
Mas quando soube da palavra e dos dos poemas
aprendi a fala das bruxas.
E nunca mais vivi num mundo sem magia.
(p.38)
Sendo a sua vida a escrita, a sua voz nunca será a mesma. Porque a voz do poeta é transformadora, dá sentido novo aos sentidos antigos, e com essa voz, como se fosse de trabalho alquímico, se ascende aos altos segredos que a magia antiga prometia. Está bem escolhido o título da obra: Ascensão da Água. A água um elemento primordial, em que tudo se dissolve e se refaz: solve et coagula, como se diz nos tratados de que os adeptos do hermetismo nos falaram.
No poema do Minotauro o poeta diz que não vê nele "a maldade de que falavam os antigos.Vê apenas "um homem em sofrimento". Humaniza a lendária criatura que virá a ser traída por Ariadne, que se enamorou de Jasão e o conduz pelo labirinto, sendo que mais tarde também Jasão a trairá, e do mito nasceu uma ópera magnífica, Ariadne em Naxos, de Richard Strauss, como também uma série especialíssima de desenhos de Minotauros por Picasso: O sofrimento que o poeta refere é, em Ariadne o do amor traído, os desenhos de Picasso exprimem a fúria do desejo, fazendo dos seus touros a representação dos seus próprios desejos e paixões insaciáveis. A força do traço consegue captar o que pode ter sido outrora a fúria causada pelo abandono inesperado. De todo o modo o poeta diz bem quando vê nele um homem em sofrimento, uma animalidade (que também é da natureza do homem) contrariada e sofrida, ou no caso de Picasso, poderosa e entregue. Mas na verdade o Minotauro sofre, porque ele próprio não pode fugir ao seu destino, pulsão enclausurada, prisioneiro na jaula de si mesmo. A morte foi uma libertação.
(p.10)
No poema Esfinges é do Paraíso que nos fala o poeta: não sabe onde fica e por isso caminha em sua busca. "Esperei a revelação dos astros / e os segredos dos espíritos. / Tive de atravessar os espelhos / e seguir o vôo dos pássaros. / Mas as charadas das esfinges / ainda estão por responder.
(p.21)
O caminhar do poeta não tem fim, desses passos são feitos os poemas, como será feita a sua vida.
Como dirá adiante, em Devanceiros, "o caminho nunca cessa / e eu nasci para caminhar" (p. 40)
Também este seu livro, que bebe em tradições antigas um imaginário elementar, " Digo as palavras antigas / terra fogo ar água / e os primeiros nomes do mundo" (p.39 ) é escrito para ser lido, como quem por ele caminha, sem pensar em descansar.
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