Espantos
(à minha neta Maria, a
filósofa)
Em contraste com ele, temos o doloroso grito de espanto de Cristo na Cruz, quando no último apelo ao Pai exclama, Pai, por que me abandonaste.!
A dôr do sofrimento sempre causará espanto, porque inesperada, como vemos em tantos exemplos da Bíblia, do Antigo e do Novo testamento. Para não falar dos horrores da guerra que se viveram ainda há pouco tempo, no século XX e continuam, no século XX.
Incrédulas perante o que é o milagre da
Ressurreição, viram-no crucificado e morto, sepultado, e agora é um Redivivo.
Será Jesus, depois de aparecer a Maria de Magdala, que lhe pede que conte a notícia aos apóstolos, e a reacção deles é novamente de Espanto e negação. Só quando Jesus se dirige então a todos os apóstolos e lhes prova que é um redivivo e os incumbe de ir pelo mundo e espalhar a boa nova, começam a reagir. Até o poder de falar muitas línguas a muito povos diversos lhes é concedido, para serem bem sucedidos na sua nova missão, a de espalhar a Boa Nova. Uns mostram primeiro incredulidade, que depois será desfeita. Outros crendo, porque lhes tinha sido anunciado pelo Mestre a Ressurreição e a Vida.
Coloquialmente podemos falar
de Espanto como surpresa, indignação, ou outro sinónimo que nos dê o
dicionário: que "espanto” poderemos dizer sobre um novo estilo, um novo carro,
um golo cheio de nota artística, uma bela modelo que derrete corações, a mulher
mais velha do mundo, com quase duzentos anos...espanto como algo de inesperado,
que desencadeia exclamações, precisamente de espanto, mas sem a transcendência
que o conceito aprofundado contém e exige.
Vejamos, no regresso à Bíblia, São João no Apocalipse:
“Ao princípio era o Verbo, e o Verbo se fez Carne e habitou entre nós”. Aqui o Espanto é o de nos parecer impossível um tal acontecimento. O Verbo, energia espiritual pura, materializar-se em criatura humana, adquirindo um corpo (CARNE) e uma espessura que não existia nele. Causa espanto, como causou, pela impossibilidade de crer no que se ouvia.
Mas este é uma forma de
Espanto que força o pensamento, o desejo de entendimento aprofundado. Passamos
aqui para outro patamar na definição do conceito. A curiosidade de saber e de
sentir o que é.
O impulso da curiosidade, na ciência, ou na
arte, perante a descoberta de algo de novo, ou o acabamento da obra inovadora
podem causar Espanto (e felicidade pela realização desse sonho, por vezes tão
adiado).
Mas se voltarmos ao Cristianismo que espanto maior se pode
encontrar do que na Anunciação que o Anjo Gabriel faz a Maria, a que será
Virgem e Mãe do Salvador do mundo? (no Evangelho deLucas,1) lemos que o Anjo
Gabriel é enviado por Deus a uma cidade da Galileia, chamada Nazareth, para
visitar uma Virgem, noiva de José, pertencente à casa de David. O nome da
Virgem era Maria. Entrou na casa dela e disse: Salvé, cheia de graça, o Senhor é
contigo. Ela ficou transtornada com esta saudação pensando no que significaria.
(primeiro momento de espanto, interrogação); mas o Anjo tranquilizou-a,
disse-lhe que tinha obtido Graça junto de Deus. Iria conceber e dar à luz um filho
a quem daria o nome de Jesus. Ele será grande e será chamado Filho do Altíssimo. O Senhor Deus dar-lhe-á o
trono de David, seu pai...e o seu reino não terá fim. Maria responde mas como é
possível, se não conheço homem? E o Anjo responde que o Espírito Santo descerá
sobre ela, o Altíssimo a tomará sob a sua protecção, e é por isso que a criança
será santa e chamada Filho de Deus.
Maria então responde, sou a
serva do Senhor, que me aconteça o que dizem as tuas palavras. E o Anjo
deixou-a.
No caso de Maria, perante o
que lhe vem dizer, de surpresa, o Anjo Gabriel é do segundo caso que se trata.
Emudece de espanto, fica a ouvir o que lhe diz o Anjo e só no fim reage,
aceitando, humilde, o destino que lhe fora traçado.
O que quer o poeta significar? Que o transcendente não é para o humano? Vejamos a primeira estrofe:
Quem se eu gritasse me ouviria entre as hierarquias dos Anjos?E mesmo que um me apertasse
De repente contra o coração: eu morreria da sua
Existência mais forte. Pois o belo não é senão
O começo do terrível, que nós mal podemos ainda
suportar,
E admiramo-lo tanto porque, impassível, desdenha
Destruir-nos. Todo o Anjo é terrível.
E assim eu me reprimo e engulo o chamamento
Dum soluçar escuro.
(Trad. Paulo Quintela)
Em Rilke o espanto manifesta-se sob a forma de interrogação e temor, a interrogação permanente sobre o divino, e sua manifestação tão poderosa, tão aterradora, que pode matar. No fundo estas Elegias exprimem a sua curiosidade, ou angústia sobre o que é a condição humana, o seu sentido e a sua relação com o divino. O que é a nossa existência para a existência do divino? E os Anjos, que percorrem cada verso, ou quase, como intermedeiam a nossa ignorância e o nosso receio? Um espanto que se pode também dizer perplexidade.
P.S. Seria injusto esquecer aqui o Espantalho, não o insulto, mas a figura de trapos que espetada num pau, com o seu chapéu enfiado na cabeça, serve no campo para espantar os pássaros que roubam as colheitas...
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