Monday, March 31, 2008
Ilustrações
Desenho de uma menina de 10 anos para um poema, O MONTE
Anoitecer suave
no topo das colinas
calam-se os pássaros,
as lebres e os coelhos
aninham-se nas tocas
sai um morcego
a debicar romãs
os gatos sorrateiros
saltam entre os telhados
em busca de algum ninho
ou de algum rato
luar de Agosto
lá em baixo
na estrada
conversam os namorados
...
( do livro a publicar, Outonais e outros poemas)
Wednesday, March 26, 2008
A Arte do Actor
Em regra são os encenadores, os dramaturgos, os críticos e teóricos que se dirigem aos actores.
Mas há outros que o fazem e cuja reflexão, neste caso poético-filosófica, não é menos interessante, antes pelo contrário. Refiro-me a HERBERTO HELDER, poeta de eleição, cujo poema merecia ser objecto de monólogo integrado nalgum espectáculo que o desse a conhecer.
O POEMACTO tem na parte III uma evocação do actor como alguém que "subtrai Deus de Deus", dizendo "uma palavra inaudível". Merecia ser lido na íntegra, eu deixo aqui umas estrofes, celebrando assim o dia mundial do teatro.
III
O actor acende a boca. Depois, os cabelos.
O actor acende a boca. Depois, os cabelos.
Finge as suas caras nas poças interiores.
O actor põe e tira a cabeça
de búfalo.
De veado.
De rinoceronte.
Põe flores nos cornos.
Ninguém ama tão desalmadamente
como o actor.
O actor acende os pés e as mãos.
Fala devagar.
Parece que se difunde aos bocados.
Bocado estrela.
Bocado janela para fora.
Outro bocado gruta para dentro.
O actor toma as coisas para deitar fogo
ao pequeno talento humano.
O actor estala como sal queimado.
O que rutila, o que arde destacadamente
na noite, é o actor, com
uma voz pura monotonamente batida
pela solidão universal.
O espantoso actor que tira e coloca
e retira
o adjectivo da coisa, a subtileza
da forma,
e precipita a verdade.
De um lado extrai a maçã com sua
divagação de maçã.
Fabrica peixes mergulhados na própria
labareda de peixes.
Porque o actor está como a maçã.
O actor é um peixe.
Sorri assim o actor contra a face de Deus.
Ornamenta Deus com simplicidades silvestres.
O actor que subtrai Deus de Deus,
e dá velocidade aos lugares aéreos.
Porque o actor é uma astronave que atravessa
a distância de Deus.
Embrulha. Desvela.
O actor diz uma palavra inaudível.
Reduz a humidade e o calor da terra
à confusão dessa palavra.
Recita o livro. Amplifica o livro.
O actor acende o livro.
Levita pelos campos como a dura água do dia.
O actor é tremendo.
Ninguém ama tão rebarbativamente
como o actor.
Como a unidade do actor.
de um substantivo.
E o substantivo retorna e gira,
e o actor é um adjectivo.
É um nome que provém ultimamente
do Nome.
Nome que se murmura em si, e agita,
e enlouquece.
O actor é o grande Nome cheio de holofotes.
O nome que cega.
Que sangra.
Que é o sangue
Assim o actor levanta o corpo,
enche o corpo com melodia.
Ninguém ama tão corporalmente como o actor.
Como o corpo do actor.
........
O actor ama em acção de estrela.
Acção de mímica.
O actor é um tenebroso recolhimento
de onde brota a pantomima.
O actor vê aparecer a amanhã sobre a cama.
Vê a cobra entre as pernas.
O actor vê fulminantemente
como é puro.
Ninguém ama o teatro essencial como o actor.
Como a essência do amor do actor.
O teatro geral.
O actor em estado geral de graça.
(in Poemacto, 1961, dedicado a Luis Pacheco.)
Monday, March 24, 2008
Poetas na Primavera
( ao Herberto Helder )
É Primavera
frase banal
bastava ter lido
na agenda
os poetas acordam
nesse dia
são chamados a ler
os seus poemas
contentamento
vão...
os poetas acordam
nesse dia
são chamados a ler
os seus poemas
contentamento
vão...
melancolia
de quem não é
o que é
(a voz mais pura)
mas apenas bandeira
propaganda
daquele único dia
em que se finge
que tudo é mais
quando é menos
(eu recordo Celan:
"tudo é menos do que
é,
tudo é mais")
mas de nada me serve
recordar
ele também diz
"vai nascendo a verdade"
e não a vejo nascer
os satisfeitos
a dedo
são perfeitos
(re)eleitos
não cantam as outras
vozes
antes dizem e redizem
as suas palavras (re)ditas
antes dizem e redizem
as suas palavras (re)ditas
ou benditas ou
malditas
que nada mais acrescentam
às suas vidas
que nada mais acrescentam
às suas vidas
vividas
(di)vididas
eu busco
na minha estante
aquela voz
mais sumida
que sempre deu
poesia
poema servido em sangue
eu busco
na minha estante
aquela voz
mais sumida
que sempre deu
poesia
poema servido em sangue
como o cordeiro
inocente
corro à janela e
grito
para quem possa
entender
aqui está o seu poema,
o poema
que ele escreveu e
corro à janela e
grito
para quem possa
entender
aqui está o seu poema,
o poema
que ele escreveu e
já ninguém sabe ler
é o poema-gemido
poema-ofício-do tempo
não cabe nestas agendas
que não lembram o momento
não cabe nestas agendas
que não lembram o momento
as colunas do seu nome
o travessão
que as suporta
não obrigo ao re-Camões
que também já está
batido
embora ele nos inspire,
que também já está
batido
embora ele nos inspire,
mas obrigo a quem o leu
e tudo com ele aprendeu
das duras lições da vida
que a vida deu
e não deu:
e tudo com ele aprendeu
das duras lições da vida
que a vida deu
e não deu:
Apagaram-se as luzes. É a triste primavera cercada
pelo germe das guitarras.
E enquanto dorme o leite, minha casa
pousa no silêncio, e arde pouco a pouco.
No círculo de pétalas veementes, cai a cabeça -
e as palavras nascem.
- Puras, desgraçadas.
Eis um tempo que começa: este é o tempo.
E se alguém morre num lugar de searas imperfeitas,
é o pensamento que verga de flores actuais e frias.
A confusão espalha sobre a carne o recôndito peso do ouro.
E estrelas algures se aniquilam para um sublevado
campo de seivas.
Para a noite que estremece
fundamente.
Melancolia com sua forma severa e arguta, melancolia
com maçãs dobradas à sombra do rubor.
Aqui está a primavera, e nela um sexo
entre ávidos arbustos, luas excepcionais, pedras
atravessadas pela primeira música.
Contudo, apagaram-se as luzes. E eu sorrio, leve e destruído,
com esta coroa recente de ideias, esta mão
que na treva procura o vinho dos mortos, a mesa
onde o coração se consome devagar.
Eis então o poeta
o seu Ofício Cantante
está deitado no chão
da casa mais antiga
ao pé do mar
na ilha
onde não há sereias
nem vozes
que decomponham
o som da sua voz
a música
da primeira
e última
Primavera
(ler Herberto Helder, Ofício Cantante )
Friday, March 21, 2008
Nos 60 anos do Hot Club de Portugal
Outras Vias, Outras Vidas
Na cave...
de olhos fechados
pisar
outros caminhos
florestas
lagos
planícies
desertos
precipícios
a música retém
o pensamento
dilata o coração
alarga
afunda
o peito
acelera
trava
suspende
a frágil
emoção
que não sabemos
quando
como
muito menos
ainda
de onde
vem
pairam no ar
nas espirais
do fumo
que não há
as vozes soltas
loucas
de
intensos
instrumentos
um sax branco
lidera
mas não por muito
tempo
o piano intervém
tem coisas a dizer
o baixo
a bateria
algo vão contrapôr
e a guitarra
lírica
também se faz ouvir
já ondulam os corpos
balouçam
as cabeças
alguém pede cerveja
para que não se veja
a lágrima que espreita
o choro
que se contém
o silêncio
é total
uma criança aguarda
no alto
das escadas
sonha
viaja
flutua
naquela bolha
de sons
fez-se a iniciação
mais uma noite longa
outras mais hão-de vir
alguém disse
olhe que não
o blues não é azul
e não tem de ser
melancolia
é saudade perdida
lembrada
de outras vidas
....
Tuesday, March 11, 2008
O Príncipe no Reino dos Lagartos
Friday, March 07, 2008
Teatro Praga
Turbo-Folk, pelo Teatro Praga no São Luiz:
O São Luiz dando sempre o exemplo ( a que já nos habituou ) de generosamente abrir as portas a tudo o que inova e renova, mexe e remexe, com uma alegria e um humor que ultrapassa os limites da cena e atinge, como a seta incerta mas certeira dos jovens turbo-lentos lá de cima, nós todos, os de cá de baixo.
Eu gosto de palcos assim, onde tudo acontece ao mesmo tempo, paciência para quem se distrai e perde um ou outro detalhe. A solução é voltar e voltar a ver...algo que neste caso se fará com gosto.
Num palco onde tudo acontece, tudo pode acontecer: canto, surpreendente, na bela voz de Larissa, intervenções de stand-up (um pouco longas na segunda parte do espectáculo) e cartazes (piadinha brechtiana de distanciamento) e diálogos de delicioso delírio por onde passa tudo o que pode passar:conversa de café, filosofia, metafísica, teologia, psicanálise, numa onda "pseudo"- que desmistifica o intelectualismo que felizmente para nós já foi pior do que é, embora ainda subsista.
A proposta é de diversão em versão colectiva que podemos e devemos aplaudir, não tanto pela coragem, como era costume alguns dizerem (era tão in ser corajoso, quando já não havia perigo nenhum) mas pela inventiva, post-post (outro cliché, mas o que se há de fazer...) pela fluência do ritmo, sem nunca chegar a ser alucinante. Poderia ter sido, o aquecimento fora excelente, estávamos bem preparados !
Sem esquecer que no actual ciclo se inclui o que neste momento há de melhor em Portugal: a presença de emigrantes, de África, Brasil ou como, neste caso, do Leste, trazendo experiências e imaginários que nos abrem espaços de criação a que não estávamos habituados.
Não sabíamos rir ( e será que já sabemos? )
Mas é assim que se começa: infiltrando a melancolia atlântica até que essa espessa substância da alma se transmute em pedras de alegria.
A minha geração cresceu com o Prazer do Texto (Barthes, sim, também sou culta..) as novas gerações podem crescer com O PRAZER DO PALCO.
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