Wednesday, September 05, 2007

Ler Borges



I

Ler Borges
é caminhar
por sendeiros estreitos
linhas e entrelinhas
que nos atiram para
o precipício de um nome
uma obra
uma ideia
uma imagem
que nos prende e
nos cega não ilumina
perturba
tomemos as rosas
que ele dá a contemplar
e parece
que nunca murcharão
uma é rosa amarela
outra é centro do mundo
mas não do nosso olhar
que se perde
não vemos o infinito
sentimos a dôr aguda
de ler
mas não de ver
outra ainda
é rosa de alquimistas
as abelhas
em busca do seu mel
da rosa de Jean de Meung
disse Borges
que ela não existe
é como a flôr azul
de outro romântico suave
o romance da rosa é um labirinto
de disparates
apesar do sucesso que teve
noutros tempos
os seus
que não os nossos
os de Borges
os nossos tempos são outros
ainda que ele goste de se
contradizer quando fala do outro
que é o mesmo
não há mesmos
só outros
outrar-se é
o que ele faz melhor
como Pessoa
teríamos de ler a sua biblioteca
aí também se escondem rosas
as de Ricardo, o Reis, que se coroa
de rosas
porque são belas e
efémeras e
logo murcharão
lembrando o seu destino
que não concede
ao centro
nenhuma revelação

Dirão alguns
ao ler-me
e o lírio de Saron
a rosa dos vales?

e a rosa de Celan
a de má cinza?


a rosa que é
a rosa
que é
a rosa
que é a rosa?

Borges diz
"ser para sempre;mas nunca ter sido".

II

Também eu
sou os livros que li
(não os que leio
os que li )

as leituras estão feitas
a vida está vivida
nada de novo
nas páginas que folheio
nas pétalas
que desfolho
não busco a interrogação
mas o ponto final

III

O Anjo da Memória:

No pequeno caderno
inscreve o nome

qualquer letra
lhe serve

ele é o dono
do alfabeto inteiro

IV

É a memória
que (me) divide
o tempo

nele me posso
(re)ver

espelho
da água que (es)corre

o tempo define
o espaço
e eu definho
no tempo

nessa onda me afundo
não me salvo

VI

E Rilke ?

Rilke é outro que tal
deixou-se encantar pela rosa
a imagem da rosa
o perfume da rosa
a ideia de rosa
ideia
que mais tarde
o haveria de matar
com o seu espinho
bem real

6 comments:

© Maria Manuel said...

encantou-me este poema!

de Borges li apenas «Ficções», com gosto e alguma dificuldade... parece que ao lê-lo estamos a ler todos os livros que leu, tão ricos, elaborados, intertextuais, universais, são os seus textos (do que recordo). e o poema, além de belo em si, reflecte bem isto :)

Yvette Centeno said...

Nas edições Teorema sairam os volumes da obra completa, sendo os 3 primeiros de poesia.
Ler Borges é passear pelos grandes momentos da cultura universal, com os autores e obras da sua biblioteca.
Por ele se percebe como é importante ler : ler, para ser.

Sir G said...

"I am the books that I read"

well, yes. as much as i identify myself with the motorcycle -- the idea of being a man of action -- in the end, it is the books, is it not?

it's beautiful.

Sérgio A. Correia said...

Para mim, Borges é o autor desse livro absolutamente inesquecível que é Ficções, o ensaista brilhante, o conversador irónico, culto, e desconcertante. Quanto à poesia, não gosto. Tudo aquilo me parece demasiadamente cerebral (no mau sentido do termo) e demasiado conceptual para ser poesia. Depois de ler os vários livros que Bachelard sobre os 4 elementos, cheguei à conclusão que a poesia é basicamente imagem--força arcaica e arquetítica que ne move e comove desde o princípio do tempo.É por isso que gosto muito dos seus poemas, sra Doutora. Têm imagens fortíssimas, a lembrar os aikais.

Yvette Centeno said...

Sérgio,
Estamos de acordo, com Bachelard e com a força única das imagens; mas de uma ideia, que José Gil chamaria de idea-força pode surgir um sistema,um tratado, ou simplesmente uma imagem. Borges tentava chegar à imagem, sobretudo nos poemas escritos depois da sua cegueira.
Obrigada por me ler, é o melhor gesto de amizade para quem escreve poesia.

Sérgio A. Correia said...

Sra Doutora..."Apesar" de nunca mais ter tido o prazer de conversar consigo, leio tudo (ou quase tudo)o que tem vindo a publicar nos últimos anos. No entanto, os seus livros que mais me marcaram foram "O Jardim de Eva"--um romance belíssimo, poético, de um experimentalismo sem exageros e com muito bom gosto, e "As três Cidras do Amor"--um conto de fadas muito bonito tb. Aliás, estive recentemente a analisá-lo à luz da "metodologia" prática proposta pelo Lajos Egri no seu "The art of dramatic writing".Quanto à opinião do José Gil--autor cuja inteligência agudíssima muito prezo--não podia estar mais de acordo: de uma ideia bem estuturada pode nascer tudo. Contudo, se tiver de escolher entre "poetas do pensamento" (uma grande parte dos poemas do Pessoa, por exemplo) e "poetas da emoção", mais imagéticos, como Rilke, Paul Celan (que a Sra. Doutora traduziu, aliás, de uma forma absolutamente genial)ou Dylan Thomas, a minha escolha irá recair sobre este "último tipo" de poetas.Passei anos a ler poesia à procura de ideias, porque a minha paixão pela filosofia racionalista não me permitia ver mais além e compreender a profunda sabedoria que se esconde numa imagem poética. Mais tarde, a leitura sistemática e muito paciente do Bachelard abriu-me novos horizontes. Actualmente, quando "preciso" de usufruir de ideias, consulto uma enciclopédia de filosofia ou abro o Kant ou o Hegel numa página qualquer...:)
Antes de concluir esta pequena conversa consigo, teria muito prazer em que a sra. Doutora desse uma vista de olhos ao meu blog " http://nowheremanland.blogspot.com"

Obrigado por tudo quanto aprendi e continuo a aprender consigo.

Sérgio