Saturday, August 30, 2025

Adriana Molder, Aldebaran Caída por Terra, 2025

 Foi uma exposição, agora é um belíssimo catálogo-livro.

 Paramos em cada página, meditando sobre a imagem que nos é oferecida. Sombras e formas, um fundo negro de que se destacam, recortadas da luz macia que o negro emana e quase pede que o toquem, que o acariciem, que lhe abracem a forma. 

Uma estrela não cai, não se deixa cair, só assim por acaso. Vem acrescentar matéria e luz à sombra que ali por ela esperava. Temos de compreender. O que estava a faltar na alma do criador? O gesto do princípio, porque tudo tem um princípio? Ou depois desse gesto primordial o seu oposto, o apagamento que se esboça nas sombras? E que vai demorar até que adquira uma outra claridade, que permitirá às formas, ainda que deformadas, a materialidade indispensável?

Assim ficamos, entre espírito, o brilho antigo do cosmos, e matéria, a que nos é dada de um modo tão subtil e discreto que mal se deixa adivinhar. 

O céu tem os seus guardas, Aldebaran é um deles. Nem a todos os que desejam é permitida a passagem. Mas a mão do criador, tantas vezes implacável, pode fazer e desfazer os segredos e os caminhos. Aldebaran na verdade nunca será a estrela derrotada, tem companheiras que se juntam a ela, a estrela guardiã, e a seguram no momento da Queda. 

Surge então de repente, no meio da noite escura, como nos contos de fadas, uma luz que tem voz e canta. No canto esboçam-se formas, que vão adquirindo vida. E ergue-se então e para sempre quem tenha caído por terra.


Wednesday, August 20, 2025

Livros

 Com quem falarei hoje

sem nenhum livro para ler?

É com os livros que falo

tenho muito para dizer

e há tanto tempo que calo...

Com quem falaria hoje

se fosse um dia qualquer?

Um dos fiéis mais antigo,

 ou um recente, mandado por um amigo?

só leio escrita escorreita

palavras nuas, directas

sem servir espaços vazios

que o poeta quer encher...

Enche os espaços vazios

são os que tem na cabeça

de frases soltas perdidas

ouvidas aqui e além

e ele não consegue juntar

a mão não ajuda aqui

e a cabeça ainda menos

é uma cabeça careca

de boneco de brincar

o meu castigo é enorme

de não ter com quem falar

Friday, August 08, 2025

 A PAZ de GAZA

- Minha mãe, não vais ao pão?

- Por ti iria a correr mas se morro no caminho

quem to dará a comer?

- Algum soldado da Paz me dará o pão com sangue

antes de te ver morrer...

- E se o soldado é da Guerra e fica para o comer?

- O sangue tem morte dentro, a tua, com o teu sangue,

que eu um dia vingarei...

 

8 de Agosto, 2025

Tuesday, August 05, 2025

O Coveiro

 O COVEIRO

Não é velho

como se julgaria

é um jovem escanzelado

preso numa terra funda

como se já enterrado.

 Mas vive ainda

tem uma pá na mão

e escava

escava

o que sabe ser

a sua cova futura

de antemão antecipada

enquanto se aguenta de pé

cumpre a missão que lhe deram:

 escava, enquanto fizeres assim

não mataremos o irmão

que vamos incinerar

negando as ordens do deus

que  seja deitado em terra,

 ou nunca chegará ao céu

que o mantinha esperançado.

E ele então já exausto, dão-lhe água suja

 a beber, escava e escava de novo

olha a cova já aberta

tem a forma do meu corpo, diz,

filmem bem o que nos fazem

deus os castigará

esta cova é a do mundo

viverão filhos e netos

neste paraíso imundo

5 de Agosto, 2025