CAVALOS
Havia cavalos no meu sonho
cavalos saídos da sombra
que eu era obrigada a tratar
eram cavalos-ideias
que eu levava entre pessoas
que não nos deixavam passar
cavalos à sua sombra
eu a ter de acordar
24 de Agosto, 2024
CAVALOS
Havia cavalos no meu sonho
cavalos saídos da sombra
que eu era obrigada a tratar
eram cavalos-ideias
que eu levava entre pessoas
que não nos deixavam passar
cavalos à sua sombra
eu a ter de acordar
24 de Agosto, 2024
CELAN
(para a Teresa Martins Marques)
O seu olhar não descreve
recupera os pedaços que sobraram
da destruição impiedosa e sem perdão
a que foi assistindo sem a poder impedir
tão jovem que ainda era, e ali mesmo
foi envelhecendo sob um céu tão cruel
tão vazio que o nome de Deus já não se via
mesmo o seu Deus tinha desviado o olhar
assustado e sem poder fugir e o jovem Celan
se fugisse para onde iria, ele agora perdido
entre os pedaços dos corpos que mesmo sem querer
tinha de nomear, como se nomear lhes desse vida.
Caminho devagar para o fim do meu livro de poemas 2024.
Publico o que nunca antes teria publicado.
Mas sinto que posso agora dizer o que senti e mantive em silêncio. É um poema breve que corrigi, lendo os vários prints que ia fazendo até chegar à solução mais simples, directa à verdade do coração. Verdades que se escondem, nem sabemos porquê. Antecipei o dia 10 de Setembro, do nosso casamento, em 1964, e o dia 22 de Novembro, de 2022 em que morreste.
PAIXÃO
Dei-te um nome
paixão.
Nunca o disse
em voz alta.
Sofrias
não te queixavas
e eu sentada ao teu lado
não adivinhava
16 de Agosto, 2024
QUIETUDE
quando me entrego à música
ao silêncio
que existe dentro da música
ou de algum quadro que aprecio
em especial e revejo muitas vezes
como se folheasse um livro
me sinto protegida do ruído exterior
que vai corroendo as nossas vidas...
de que ansiedade nasce tanta agitação
tanto ruído, tanta pressa num quotidiano
que não chega a ser vivido plenamente
é tanta a exigência, perdem-se os pormenores
as entrelinhas mais preciosas do que as linhas
que nos empurram na vida e fariam se pudessem
da vida uma outra vida, de quietude e silêncio
esse tempo negado porque a pressa o apaga
e o que seria um poema é corpo atropelado.
7 de Agosto, 2024
VIVER BEM.
Este foi desígnio do Senhor que concebeu os espaços:
Escolher as cores, os tons suaves,
sóbrios, que dão tranquilidade
ao corpo que se estende cansado
depois de uma viagem que aspira
àquele momento de fim de tarde esbatido
tardio mas feliz, porque será bem vivido
até que o tempo se esgote e algum regresso
se imponha. Viver bem entretanto é o que
os deuses concedem e até o regresso deixa no ar
a certeza de que haverá outro dia, outro final de tarde
outro voltar. O Senhor dos espaços teve o cuidado
de rasgar aberturas nos telhados e nos terraços
que se alongam sobre um chão desenhado
macio também ele para o recém-chegado.
Ali se pode ver o céu, se pode andar descalço
esquecer que o Abencerragem fora o rei maltratado,
e escondido nas grutas do deserto sonhava também ele
voltar um dia a ser amado. Sonhava com uma lua nova
e com as ondas do mar que ali se ouviam e o poderiam levar.
Viver bem, amar e ser amado, num espaço aberto ao tempo
que assim foi desenhado.
As Sextas-feiras
É Sexta-feira. Mais uma.
Acordo a pensar por que razão
terá esta Sexta-feira mais importância
do que as outras em que nunca pensei?
Porque antecede um Sábado
em que também nunca pensei?
Antes íamos por vezes ao fim da tarde à praia,
havia menos gente, a água estava quente e ficávamos
para jantar no único restaurante ali mais perto.
Horas pacatas, com ou sem as crianças
conforme os programas que se tinham feito.
Já não existem esses tempos, que corriam tranquilos
como a água dos rios para o mar. Sem pressa, o mar não fugiria.
E a Sexta-feira de agora parece tão apressada, como se receasse
não chegar ao Sábado anunciado.
Ora eu, ainda mais que essa Sexta que me pesa, ao acordar,
não é do Sábado que tenho medo, e da sua manhã tardia, mas das outras todas que ainda faltam, que não sei quantas são, nem o que delas, se nascessem, faria.
2 de Agosto, 2024