Saturday, August 24, 2024

CAVALOS

 

CAVALOS

Havia cavalos no meu sonho

cavalos saídos da sombra

que eu era obrigada a tratar

eram cavalos-ideias

que eu levava entre pessoas

que não nos deixavam passar

 Difícil era o regresso:

cavalos à sua sombra

eu a ter de acordar


24 de Agosto, 2024

Thursday, August 22, 2024

CELAN

 


CELAN

(para a Teresa Martins Marques)

O seu olhar não descreve

recupera os pedaços que sobraram

da destruição impiedosa e sem perdão

a que foi assistindo sem a poder impedir

tão jovem que ainda era, e ali mesmo

foi envelhecendo sob um céu tão cruel

tão vazio que o nome de Deus já não se via

mesmo o seu Deus tinha desviado o olhar

assustado e sem poder fugir  e o jovem Celan

se fugisse para onde iria, ele agora perdido

entre os pedaços dos corpos que mesmo sem querer

tinha de nomear, como se nomear lhes desse vida.  

Saturday, August 17, 2024

Paixão II

 


PAIXÂO II

Em casa entristecia.

Era de noite

já não estavas ali

nada dizias.


17 de Agosto, 2024

Paixão

 Caminho devagar para o fim do meu livro de poemas 2024.

Publico o que nunca antes teria publicado.

Mas sinto que posso agora dizer o que senti e mantive em silêncio. É um poema breve que corrigi, lendo os vários prints que ia fazendo até chegar à solução mais simples, directa à verdade do coração. Verdades que se escondem, nem sabemos porquê. Antecipei o dia 10 de Setembro, do nosso casamento,  em 1964, e o dia 22 de Novembro, de 2022 em que morreste.


PAIXÃO

Dei-te um nome

paixão.

Nunca o disse

em voz alta.

Sofrias

não te queixavas

e eu sentada ao teu lado

não adivinhava

16 de Agosto, 2024


Friday, August 09, 2024



AGOSTO

Fim de dia macio

sentimo-lo na pele

é um calor amigo 


9 de Agosto, 2024

 QUIETUDE

 Penso na quietude

quando me entrego à música

ao silêncio

que existe dentro da música

ou de algum quadro que aprecio

em especial e revejo muitas vezes

como se folheasse um livro

já tantas vezes lido, mas em cujas páginas

me sinto protegida do ruído exterior

que vai corroendo as nossas vidas...

de que ansiedade nasce tanta agitação

tanto ruído, tanta pressa num quotidiano

que não chega a ser vivido plenamente

é tanta a exigência, perdem-se os pormenores

as entrelinhas mais preciosas do que as linhas

que nos empurram na vida e fariam se pudessem

da vida uma outra vida, de quietude e silêncio

esse tempo negado porque a pressa o apaga

e o que seria um poema é corpo atropelado.

 

7 de Agosto, 2024 

Sunday, August 04, 2024


 VIVER BEM.

Este foi desígnio do Senhor que concebeu os espaços:

Escolher as cores, os tons suaves,

 sóbrios, que dão tranquilidade

ao corpo que se estende cansado

depois de uma viagem que aspira

àquele momento de fim de tarde esbatido

tardio mas feliz, porque será bem vivido

até que o tempo se esgote e algum regresso

se imponha. Viver bem entretanto é o que

os deuses concedem e até o regresso deixa no ar

a certeza de que haverá outro dia, outro final de tarde

outro voltar. O Senhor dos espaços teve o cuidado

de rasgar aberturas nos telhados e nos terraços

que se alongam sobre um chão desenhado

macio também ele para o recém-chegado.

Ali se pode ver o céu, se pode andar descalço

esquecer que o Abencerragem fora o rei maltratado,

e escondido nas grutas do deserto sonhava também ele

 voltar um dia a ser amado. Sonhava com uma lua nova

e com as ondas do mar que ali se ouviam e o poderiam levar.

Viver bem, amar e ser amado, num espaço aberto ao tempo

que assim foi desenhado.

 4 de Agosto, 2024

 

 

 

 

Friday, August 02, 2024

As Sextas-feiras

 As Sextas-feiras

 

É Sexta-feira. Mais uma.

Acordo a pensar por que razão

terá esta Sexta-feira mais importância

do que as outras em que nunca pensei?

Porque antecede um Sábado

em que também nunca pensei?

Antes íamos por vezes ao fim da tarde à praia,

havia menos gente, a água estava quente e ficávamos

para jantar no único restaurante ali mais perto.

Horas pacatas, com ou sem as crianças

conforme os programas que se tinham feito.

Já não existem esses tempos, que corriam tranquilos

como a água dos rios para o mar. Sem pressa, o mar não fugiria.

E a Sexta-feira de agora parece tão apressada, como se receasse

 não chegar ao Sábado anunciado.

Ora eu, ainda mais que essa Sexta que me pesa, ao acordar,

 não é do Sábado que tenho medo, e da sua manhã tardia, mas das outras todas que ainda faltam, que não sei quantas são, nem o que delas, se nascessem, faria.

 

2 de Agosto, 2024