Monday, June 24, 2024

Morrer

 MORRER

É claro que penso muitas vezes

em como vou morrer.

Não adivinho

não há um deus que diga

um anjo que previna

entretidos no céu

a desenhar nas nuvens

os destinos

os nossos ou dos outros.

Penso que não gostaria de saber

nem de sentir antes de tempo

um tempo que chegará

como já vi

e pode ser tão estranho

e tão inesperado

sem um queixume

sem um lamento sequer

apenas uma entrega

num enorme silêncio

a caminho da treva

 quando teve de ser.

 

23 de Junho, 2024

 

 

Thursday, June 20, 2024

 

FESTAS POPULARES

 

Alguns comeram lagosta

outros não,

bastou a alegria da sardinha no pão.

 

20 de Junho, 2024

Tuesday, June 18, 2024

 ÁGUA DE ROSAS

A minha avó lavava a cara

com água de rosas

que punha num frasco de cristal

pousado na cómoda antiga

que hoje tenho no meu quarto.

Agora há variantes: eu mandei vir

uma água de tangerinas de Itália

com rosas de França

uma água tão fresca e tão leve

que o sol aparece a sorrir

de imediato na varanda.

Será da minha parte

muita frivolidade?

Não acho, é frescura de esperança...

 Mas tenho direito a isso

como tinha a minha avó,

é uma questão de idade...

 

18 de Junho, 2024

 

Sunday, June 16, 2024

 CANSAÇO

Era tão grande o cansaço

naquela manhã de sol

sabia que seria sempre assim

uns dias bem

outros mal e sem explicação

hesitou em sair da cama

 deixar o conforto do colchão

como se fosse a cama de folhas

do Jardim, já preparada sobre a terra macia,

a terra a que o seu corpo pertencia

da terra tinha sido moldada

a ela regressaria

agora com o corpo pesado

de que o cansaço era já o sinal...

fechou os olhos

mas não para dormir

sentir apenas o suave conforto

daquelas folhas amigas

berço que alguém lhe tinha deixado

para que não estranhasse

esse momento do já esperado

 cansaço.


16 de Junho, 2024

 

 

 

 

Friday, June 07, 2024

Sérgio Ninguém, I do insomnia

 Este é um livro de poemas de edição de autor, cujo título se eu tivesse de traduzir me faria pensar: fazedor de insónias, como o escultor na pedra vai esculpindo as suas formas, que podem ser poemas, que podem ser insónias, nascidos, os poemas, de tais pedras, como os poemas que o autor escreveu em PEDRA I e PEDRA II ?

Sérgio oculta-se, não se revela a não ser para o fundo secreto de si mesmo onde como numa caverna arquetípica ( de Platão?) esperasse a última revelação.

A insónia não é para ele doença nem sofrimento, é um estado que lhe é natural e propício à criação. Não precisa de a provocar, ela está nele como a pedra na pedreira de mármore que irá ser trabalhada, oportunamente.

Ora em textos de reflexão mais longa, ora em poemas de influência Haikai, anuncia ao que vem. Não vem entreter ninguém, nem a si mesmo nalgum transe nocturno carregado de sonhos coloridos, ou mesmo só reduzidos a cores e seus significados, que se esbatem mal acorda e o deixam com a travessia do vazio da insónia, motivo central do que o leva a escrever. 

Mas esse seu conceito de vazio tem muito que se lhe diga e devemos ponderar, antes de seguir em frente nos poemas. É o Vazio do Tao, o Todo inalcansável, que antes de se materializar na Criação pairava sobre as águas que nos descreve O Génesis. Obriga-nos o poeta, nuns versos que parecem fáceis, ou simples, a uma meditação inesperada. Foi o fazer e desfazer da Insónia que permitiu a palavra do poema, e é o Vazio do Tao que nos permite o entendimento do Todo que nos é revelado.

  Cita Blake para nos ajudar a ver que é quando o nosso cérebro está lavado de tudo que se abrem as portas da percepção e revelam o infinito. Aqui está o exercício do Vazio que permite o infinito que é o Todo.

Sérgio é um poeta de grande cultura, assimilada, e a que a Insónia alarga espaços e tempos. Difícil? Não é razão para lhe fugir, antes pelo contrário.

Nasce talvez do estado de espírito que Jung e os alquimistas que estudou chama de nigredo, o primeiro dos momentos com que se inicia o caminho da iniciação: a alma ao negro. Travessia que pode levar ao suicídio, como numa depressão não cuidada, ao abandono, ao desalento da energia do pensar e do viver. É preciso atravessar, chegar ao colorido da cauda pavonis, a cauda do pavão, de penas  brilhantes que iluminam o que parecia treva e prenúncio de morte. Está ali o poema:

I am a wreck-

a little blue here

a little yellow over there

and in green I dream.

(p.52)

Desta fase, em que se atravessa o negro, nascerá a rubedo (a obra ao vermelho) que já permite sentir que a iluminação é alcansável, e será a "obra ao branco",  (albedo) na sua fase final.

A obra tem capítulos em que Sérgio não escapa ao severo olhar sobre o mundo em que vivemos, cruel, ávido de poder, por meio de matanças e guerras e que ele inclui na selecção que faz. Dói-lhe a dôr dos outros, como lhe dói a sua.

Mas a sua alma está possuída não do presente sofrido, inevitável, mas da pulsão que o verso mais contido e só esse lhe permite: o Haiku, que vai reunindo no conjunto dos Haikai  com que nos encaminha para o fim da obra.

Foi feita a travessia, o Vazio do Tao preencheu a alma que ambicionava o Todo, enquanto se refugiava no fazer e no viver duma insónia que agora nos é oferecida, a nós os dos olhos abertos, como no Mutus Liber: occulatus abis. Partes de olhos abertos.

Obrigada Sérgio, por esta tarde oferecida...






Tuesday, June 04, 2024

Partituras

 



Partituras:

A Música da Vida

partitura que ficará sempre

inacabada

Sunday, June 02, 2024

Despir a Casa

 

DESPIR A CASA 

Sim,

a dada altura começamos a despir

a casa

como quem despe o corpo

que se lava

para que esteja limpo

na hora de o levar

à sepultura.
 Por que morre uma casa

que em vida foi amada?

E por que a despem agora

um corpo envelhecido

mas que tem vida

que poderia ainda ser

um pouco mais prolongada?

Ainda tem sol a casa

e vozes de pessoas que conversam

e riem, são felizes, à medida

que recordam a casa

antes de ser esvaziada...

 

2 de Junho, 2024