Ingeborg Bachman
(Dos Últimos Poemas, para o Sérgio Ninguém, fiel à poesia)
A carga de rosas despenha-se
em silêncio das paredes
e através do tapete brilham o
chão e a terra.
O coração de luz quebra a
lâmpada.
Escuridão. Passos.
O ferrolho foi corrido diante
da morte.
Sou um morto que vagueia
sem estar em parte alguma
desconhecido no Reino dos
perfeitos
estando a mais nas cidades de
ouro
e nos campos verdejantes
extinto há muito tempo
e sem ser tido em conta
a não ser pelo vento, pelo tempo, e os sons
esta nuvem que me envolve
e a que chamo casa
movendo-me entre todas as línguas
os turvos sons da chuva
poucos são os que caem
Depois deste dilúvio
quero a pomba,
e nada mais do que a pomba,
vê-la salva de novo.
se ela não voasse,
não trazendo consigo
na hora derradeira a folha.
Tão avançada na vida e tão
perto da morte,
que não posso contar com
ninguém,
arranco da terra a parte que
me pertence;
em pleno coração e nado para
a praia.
Com o tempo meu assassino
estou a sós.
Num êxtase de azul nos
tornamos crisálidas
VÓS, PALAVRAS
Para Nelly Sachs, a amiga, a poeta, em
homenagem
Vós, palavras, erguei-vos, segui-me!
e embora já estejamos longe,
longe de mais, é preciso
continuar
mesmo sem chegar a nenhum
lado.
apenas atrairá
para si outras palavras,
a frase outra frase.
Assim o quer o mundo,
para sempre,
ser forçado ao sim.
Não o digais.
para que não se torne
definitiva
esta voracidade da palavra
o dito e contradito!
que nenhum sentimento fale,
que o músculo do coração
se treine de outra maneira.
nada, digo eu, seja
sussurrado,
que sobre a morte nada te
ocorra,
deixa e vem comigo, nem suave
nem amargo,
nem desejando consolar
nem mostrando
quaisquer outros sinais -
tecida com o pó, cascalho
vazio
de sílabas, palavras
agonizantes:
ó palavras !
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