Sunday, February 16, 2025

De Vez Em Quando...

 

Espero

que de vez em quando

numa hora vazia

penses em mim

sintas a minha falta

como eu sinto a falta

do nosso breve tempo

de falar disto e daquilo

que não tinha sentido,

não era o sentido

que nos aproximava

amar e ser amado

era saber

que eu tinha chegado tarde

e me bastava um abraço,

que me desses a mão

carinhosa e suave

na hora da despedida

para ti as horas que sobravam

e  no tempo ainda sobrariam

para mim apenas uma hora

ao acaso num dia. 

16 de Fevereiro, 2025




Thursday, February 06, 2025

Gerúndios e cia.

 Uns não gostam de gerúndios e acusam publicamente

sem explicar as razões.

Outros embirram também mas com as adversativas.

Que mal faz o pobre gerúndio à frase que vai ser escrita?

Apenas atrasa  o momento, retém o gesto da mão

quem sabe se isso é melhor, dá mais tempo ao pensamento

 que seria bem pior...


Os cabelos de Deméter

 Os Cabelos de Deméter (sobre foto de Miguel Lobo Antunes)

Na paisagem da areia seca junto ao mar

Deméter penteia os seus longos cabelos

trilhos de ouro que oferece em troca da filha bem amada.

Mas o rei não responde, é grande a sua paixão

como a paixão dos deuses pode ser

e não trocam por nada. 

Monday, February 03, 2025

CENTENÁRIO DE PESSOA

  CENTENÁRIO DE PESSOA

Pessoa não tem idade

não celebrem centenários

 não o levem para espaços

que ele nunca desejou fechados.

Os eléctricos das ruas,

 amarelos côr de sol,

 os regatos sobre as pedras

que corriam para os rios

o Tejo correndo longe

mas que ele via da janela

os cafés das invenções

com os amigos boémios

das multiplicações

que nele nunca acabavam

é tão grande a sua lista

quem não o tivesse lido

nunca perceberia

 por trás do que ia dizendo

 os desejos que escondia...

a luz que o iluminasse

lhe desse a sabedoria

que os antigos concediam

e ele tanto procurava.

Estava guardada nos livros

e nos papéis de uma Arca

que nunca mostrara a ninguém

e onde ninguém mexia.

Ler o que ele tinha lido

só assim perceberiam

o que tinha na cabeça

de noite se adormecia

e o mesmo durante o dia

quando parecia brincar

com as modernas teorias

que ajudavam a sonhar

um mundo tão diferente

um mundo que o criador

não desejara criar

mas nascera mesmo assim

já corrompido à nascença

e era preciso mudar...

 

Pessoa de mil mudanças

discussões e assombramentos

não celebrem centenários

não o enterrem mil vezes

que o impedem de pensar

um único pensamento

dos que ele tem à sua frente

e é preciso desdobrar...

um dois que afinal é três

um três que afinal é quatro

para voltar ao princípio

do Um nunca revelado.

 

3 de Fevereiro, 2025

 

 

SAUDADE

 SAUDADE

Não tinha.

Agora sei o que é.

A leve dôr no peito

situada no coração

que antes nem sentia bater.

É uma dôr feita de ausência

dôr do vazio do outro

o da sua presença

ao meu lado em silêncio.

 

2 de Fevereiro, 2025

Wednesday, January 29, 2025

FOTOGRAFIAS

 FOTOGRAFIAS 

Podem ser enganosas.

O que fixaram não corresponde

ao que afinal julgámos estar a ver.

Julguei que seria do jardim de Mignon

o limoeiro solar tão desejado.

Mas não

era mais terreal 

a mulher que não era Mignon

e segurava na mão duas maçãs

 da árvore do paraíso

uma seria para ela, outra para ele

o Adão castigado por mentir

escondendo do criador

o pecado  por ambos cometido

a descoberta do corpo terreal

o fruto proibido

da origem da vida

que residia neles

mas ainda escondida 

e só deus poderia deixar

adivinhar.

Adivinhar sem ver

adivinhar confiando

no que podia de bom ou de mau 

acontecer. Aquelas maçãs 

nas mãos daquela mulher

que acreditava na força

que elas tinham

era a ela que davam  o poder

da árvore da criação 

as raízes no céu

os seus frutos na terra

de que só ela cuidava

pois ficara com as sementes 

do eterno saber da vida

de que a serpente falara

e ela, mulher, escondia.

Mulher de beleza eterna

que deus elevaria

deixando o homem só

e sem sabedoria.


29 de Janeiro, 2025 



 AS GAVETAS

Eu estava bem arrumada

tranquila e mui

sossegada

com duas gavetas mentais

uma aberta outra fechada.

Na aberta tudo em ordem

com cuidado vigiada

qualquer um podia ver

que não se passava nada.

Um dia
sem me fazerem perguntas

trocaram-me de gaveta

fui para a gaveta fechada

a outra ficou a um canto

como se abandonada

já não servisse mais

e a ordem não me fizesse falta.

Dei comigo tão confusa

num espaço desconhecido

ali tudo em desordem

eu sem saber fazer nada

a ordem da outra gaveta

alguém a tinha cuidada

mas ali ninguém estava

que ao menos me desse

a mão...

o esforço seria meu

que não estava habituada.

Perdida estava a Razão

a velha dona de casa

e ali só Emoção

uma louca tresloucada

num sótão desconhecido

de que nunca me falaram

e eu dentro de outra gaveta

também não desconfiara.

Agora como lidar

entregue ao desconhecido

numa gaveta fechada

que só eu podia abrir

para o tornar merecido

sem que ninguém me avisasse

caso houvesse algum perigo...

 

27 de Janeiro, 2025

 

 

 

 

 

 

 

 DO TEMPO

 

Estou contigo

um tempo

que é medido

e é bom que seja assim.

Porque a seguir

vem um tempo

que se alonga

um tempo quase infinito

 

27 de Janeiro, 2025

Wednesday, January 22, 2025

Nuno Félix da Costa, o mim impossibilitado do acontecer, ed.CEPE, 2024

 

O desafio começa logo no título: o que é este mim e que coisa o impossibilita de um acontecer, o acontecer que se revela igualmente enigmático?

O que é o acontecer, se não é um acontecer, uma coisa que acontece, pode ser qualquer coisa banal e sem mistério? Todos os dias acontecem coisas, uma melhores outras piores, outras indiferentes a toda a gente e não apenas a quem escreve este MIM? E se o escreve, não aconteceu já, ou não está a acontecer?

Teremos de ler o livro, ler sem ideias pré-concebidas nem preconceitos pois haverá no decurso de uma narrativa solta, ainda perto do surrealismo provocado, não por alguma substância que acelere mas por um torrencial desejo de se exprimir, ora no eu ou pelo eu, para chegar ao menos fácil mim, conceito mais fechado sobre si, mais difícil de se explicar quando se derrama numa linguagem de metáforas literárias, orgânicas, científicas a uma velocidade que nem sempre se consegue acompanhar.

E será necessário acompanhar, ou aceitar essa impossibilidade anunciada logo de início? O acontecer que aqui se introduz, perturbando o discurso teria mesmo de acontecer? O próprio autor nos desvia de buscar um sentido. Aceitemos que nada tem sentido, que é tudo aleatório, dormiremos mais sossegados, acordaremos mais disponíveis para continuar a aventura da vida. A quotidiana, com os seus imponderáveis, à profissional com as suas variantes, que podem ir do sucesso ao desespero de algum amor não dito, numa profissão que o proíbe. 

O que se faz deste mim, que não pode acontecer, o que se faz de um eu que não pode revelar-se  ampliando - se num Eu superior, diria Jung, sublimado pelos múltiplos degraus das escadas que foi subindo até uma espécie de revelação mística final? 

Ao ir lendo, com atenção, conseguiremos separar o mim do eu ? Na psicologia junguiana eu tentaria reflectir sobre o Ich e o Selbst, mas Nuno não é tão decifrável, nem permite que tentemos essa louvável caminhada. Ele de imediato, nos parágrafos seguintes, nos retira as escadas, os possíveis, ainda que para nós frágeis, pontos de apoio. 

O seu discurso é para ser sentido, não entendido nem racionalizado. Ilustra? Por vezes, para dar migalhas à nossa inteligência neuronal. Mas as metáforas  de que ele se serve, com que nos surpreende, têm outra raízes, não do lobo frontal, mas de um corpo rasgado por uma anatomia nua e bruta, e que só ele consegue recompôr e devolver a um imaginário mais normal.  Sai do sistema, se é do sistema que o leitor está à espera. Sai da regra, é mais fundo e perigoso o seu jogo de dois eus, um dos quais é o mim, o tal impossibilitado do acontecer. Precisamente por ele, Nuno, o sujeito e objecto de toda a reflexão. 

No capítulo 3, talvez devesse dizer parte 3 do volume, que podemos ir lendo um pouco ao acaso, como a mão que Nuno deixou correr sobre as folhas, ou o teclado, fiquei supreendida. O título "pré-natureza, a sua bondade" evocava o princípio dos princípios, o anterior ao verbo criador, o nada que existiu antes de tudo ser tirado dele por um sopro que carregava a existência da vida e que Nuno Félix apresenta como "um período que antecedeu a natureza" (p.87), explicando logo a seguir que não se podia falar de período, pois o tempo era "síncrono" e era indistinto tudo que nele se continha. Avisa que não vai falar, como Harari da história da humanidade, nem da evolução da espécie, natureza e bondade. Bondade? Eis um termo que carece de reflexão. Nasce pura, a humanidade, no primeiro ser criado, que logo peca e é castigado? Ou o seu pecado foi fruto da inocência que só nas crianças se encontra, quando nascem e crescem numa confiança entregue e cristalina a quem delas se ocupa? Eis um novo capítulo que se abre aqui, na verdade: a inocência que tem de ser protegida, as perguntas directas que só as crianças fazem e para as quais os crescidos não terão resposta, o espanto perante o real que é o mundo, e que se resume no espaço da família onde uma criança pode ser feliz .  Eis um termo que se introduz no discurso, ou melhor vários termos, que a ideia de família, comunidade primeira que partilha a vida e o desenvolvimento que se tornará social, complexo, com o tempo ( a vida e a morte não serão síncronas como no princípio de tudo) e que Nuno Félix nos dá para aprofundar. Reflecte sobre a infância:" eu sei que tive uma infância qualquer, embora dela não guarde qualquer memória". E segue, ora com ironia, sobre os que falam de ter tido memórias pré- uterinas, ora sobre o que a memória de facto pode ser: " falar de experiências  que nos influenciaram, nos traumatizaram, nos fizeram repensar a vida e mudaram o nosso comportamento (...). Ainda, como que por acaso, "ter Mãe é um estado da alma". E prossegue reflectindo sobre o que acha fascinante numa criança, parágrafo longo que desenvolve porque de facto numa criança é fascinante que ela tão pequena tenha uma opinião sobre o que a rodeia, que a nós tanta vezes (sempre? com aquela simplicidade?) nos falta.

Interessante achei que Nuno Félix, de leitura densa, escolha neste capítulo procurar um caminho que nos conduza à simplicidade (aparente) de um tema como da infância, sua ou de outros - pois todos os que o vão ler nasceram, cresceram...e não é mau que pensem sobre a complexidade do que é ter nascido, porquê e para quê, ou citando o meu eterno Hofmannstahl recuperar se possível o sentido da vida e dos sinais que nos dá. 

Não vou resumir, seria reduzir, o resto do percurso que Félix vai atravessando enquanto atravessa os factos da sua vida, ou do pensamento sobre eles.

Está na hora de ser o leitor a ir tirando as suas conclusões. Serão sempre parte incompleta do que o autor nos oferece.  Mas continuemos, o empurrão é forte.

A meio do livro, depois de uma reflexão quase bondosa, amável, que atravessa episódios da família, entramos noutra fase, noutro modo que só consigo exprimir melhor em francês (influência de Sade?) : un déferlement de violence et de rage contre soi-même et les autres qu'il a appris pendant sa vie à connaître. Rien n'est pardonné , tout sera dit"pour que sa quille éclate..." comme le désire Rimbaud. 

Já não é de nem do mim nem do eu que se trata é do todo que o homem representa, desde o primeiro momento em que foi criado. Esse todo é o que se procura. Procura-se para saber, para conhecer melhor as metades de que somos compostos, que mão as tirou do lodo, que mão as dividiu e nos faz ser o que somos. 

O mim, explica-me em conversa Nuno Félix, é mais abrangente, porque sendo a energia inicial ainda não definiu uma orientação que se estreita ao evoluir para o eu. É então nesse sentido que o autor de modo tão claro me explicou, que agora posso abordar os outros temas para os quais vai conduzindo o leitor.

Hesito. Vou lendo, como espero que outros leitores o façam, tomando cada reflexão pelo que ela é, e pode adiante ser contrariada por outra.

É no desacordo que reside a criação possível, o caminho, ainda que incerto, para um eu que se constrói entre o ruído ou o silêncio, tantas vezes impossível de admitir. O Verbo nasceu de um silêncio que lhe foi prévio, e não o conseguiu conter. Por estas páginas passa um resumo da condição humana, observada à lupa, no seu melhor, e sobretudo agora a caminho do fim da leitura, no seu pior. Nuno escalpeliza a alma, disseca o corpo, usa de uma linguagem crua, que não recusa porque a conheceu (está atravessada no caminho do esculpir de um eu vivido) e não vale escamotear o real que se conhece e reconhece e define, quer se queira quer não, o que é SER HUMANO.

O que nos levaria agora para outro livro...

 

Friday, January 17, 2025


GUERRA e PAZ

(o impossível Acordo)

Discute-se nas imagens

que a televisão nos mostra.

Podemos ou não podemos

acreditar?

Rostos de desespero

 voltados para o céu.

Não vemos o céu que imploram

cada um terá o seu.

Não estão lá as estrelas

que dariam boas novas...

Vemos só tachos vazios

 implorando agitados

lembrando que a fome é grande

e se morre na guerra

 e se morre na paz

uma descida ao Hades

por alguns desejada

por outros tão temida

que num último apelo

ainda gritam onde está

o deus que nada faz?

 

16 de Janeiro, 2025

 

 

Thursday, January 09, 2025

A CASA

 

A CASA

Devagar já tinha começado a desfazer-se.

O chão, as janelas, a porta. 

Não era preciso bater

já nem sequer a chave funcionava

era só empurrar

e  ver quem vinha lá.

Não vinha muita gente

não era sequer esperada

sentia-se a presença

 de quem já tinha estado

e não estava mais.

9 de Janeiro, 2025