Monday, November 14, 2016

O Evangelho de Tomás

Continuo a ler a belíssima tradução dos Evangelhos, na BÍBLIA de Frederico Lourenço.
É uma leitura que tem de ser vagarosa, para inspirar novas reflexões. É grande e útil a erudição das notas, em que também gosto de me demorar. E há ainda a sua generosidade, de ir apresentando em posts do Facebook, mais reflexões, mais comparações, que entusiasmem os seus leitores.
Por razões que têm mais a ver com o significado alquímico da mulher, nos textos que estudei ao longo de vários anos, desde logo o de Maria Profetiza, que Jung também valorizou devido ao seu célebre axioma, que parecia ser ampliação da Tábua de Esmeralda de Hermes Trismegisto, achei muito significativo no Evangelho de Tomás que Jesus, entre os apóstolos, quando lhes aparece ressuscitado responde a Pedro  (que não queria mulheres a ser evangelistas) que havia para Maria Madalena um papel importante, e que em breve" faria dela um homem," como eles.
Dá que pensar.

No início dos anos setenta, em Paris, começava eu as primeiras leituras indicadas por um dos meus orientadores, psicólogo junguiano e "alquimista". Eram, na Bibliothèque Nationale, as traduções do Antigos Alquimistas Gregos, de Marcelin Berthelot, de 1888.
Na terceira parte da edição, dedicada a Zosimo, é descrito um sonho emq ue o oficiante está de pé junto a um altar em forma de taça. Descreve um caminho de descida à escuridão e de ascensão à luz. "Assim era rejeitada a natureza espessa do corpo" e assim o oficiante se transformava em Espírito.
Adiante, depois de um verdadeiro sacrifício em que todas as partes do corpo são decepadas e queimadas. A explicaçção foi sucinta: "o espectáculo que vês é a entrada, a saída e a mutação".
Seguem-se depois, ao longo de várias explicações, as funções dos elementos, em que o fogo é especialmente importante, pois ao queimar sublima e transforma, a água elemento feminino, a terra, o ar; e os três princípios, do enxofre, do mercúrio e do sal. Tudo para o bom trabalho que levará à materialização da Pedra Filosofal. Pedra que é objectivo supremo, Perfeição do Um e do Todo, que encontramos na Tábua de Esmeralda.
Os textos dos alquimistas gregos são dos séc. II e III, transmitidos em Alexandria, segunda consta. Próximos, portanto dos nossos Evangelistas e comungando muitas vezes da mesma forma dialogada, para as explicações.
O que haverá a mais é a importância atribuída aos sonhos como forma de iniciação.
Já na Idade Média, em textos como o Rosarium Philosophorum, ou mais tarde, no Mutus Liber, ou na Atalanta Fugiens, a figura Feminina é sempre companheira e obreira do trabalho de perfeição.


Nas gravuras alquímicas a Mulher é ao mesmo tempo Marta e Maria (para recuperar um post de Frederico Lourenço) trabalha e é iniciada, participante da Obra de perfeição.
Sem me perder agora nas referências eruditas do Evangelho de Tomás, cuidadosamente descritas pelo autor da Introdução, Helmut Koester, e pelo seu tradutor, Thomas Lambdin, (in The Nag Hammadi Library in English, ed. Brill, 1996) - vou directa ao meu propósito, o da participação activa da Mulher, neste caso Maria Madalena, na divulgação dos Evangelhos, como discípula eleita, também ela, com os doze.
Na primeira frase com que o Evangelho abre é definido o programa: a interpretação do que é dito conduzirá à descoberta da vida eterna. Jesus fala em parábolas, em ditos que é preciso entender e decifrar: como na descrição dos sonhos de Zosimo.
Maria intervém uma vez nos diálogos, fazendo esta pergunta
"Com quem se parecem os teus discípulos?" (p.129)
É no final dos diálogos com o grupo que o rodeia que se afirma então o papel da mulher:
(113)- Os seus discípulos disseram-lhe: "Quando chegará o reino?
(Jesus disse)- Não chegará esperando por ele. Não será uma questão de dizer aqui está ele, ou ali está ele. Mas antes o reino do pai está espalhado pela terra, e os homens não o vêem."
(114)- Simão Pedro disse-lhes: "Que  Maria nos deixe, pois as mulheres não são dignas da vida".
Jesus disse: " Eu mesmo a guiarei de modo a fazê-la homem, para que também ela se transforme num espírito vivo semelhante a vós, machos. Pois cada mulher que se transforme em macho entrará no reino do céu" (p138).
Daqui para a frente teríamos de ampliar o raciocínio para o mito do andrógino, ou para o primeiro Adão, no Génesis 1, sendo ele macho e fêmea, e tentar compreender o mistério da essência de um Criador que o fez, ao primeiro homem, à sua imagem e semelhança.
(cont.)

2 comments:

Henrique Chaudon said...

A questão da androginia aparece logo no início do Gênesis 1.26-27; mas em 2.7-8 Ele FORMA o homem do barro, para só depois formar a mulher. Essa contradição me encasqueta muito...

Yvette Centeno said...

São certamente textos escritos por pessoas e épocas diferentes....um dia escrevo um pouco melhor, aqui não vejo nada.
Abraço muito amigo, de sempre!